Por Valor Econômico
A alta do dólar de quase 24% neste ano em relação ao real deve ter impacto limitado para as empresas se comparado ao período de 2015 e 2016, marcado pelo recorde dos casos de “default”. Desde então, a economia mostrou certa recuperação e as companhias aproveitaram o momento para reduzir o endividamento e antecipar, em boa parte, o refinanciamento de dívidas que venciam ao longo do ano já prevendo um cenário de maior volatilidade em função do período eleitoral.
“As empresas já rolaram grande parte dos vencimentos para os próximos 12 a 24 meses “, afirma Altair Pereira, analista de renda fixa do Bradesco BBI. A dívida externa das empresas era estimada em US$ 105,5 bilhões em julho de 2018, abaixo dos US$ 108,3 bilhões de dezembro de 2017 e dos US$ 119,2 bilhões do fim de 2015, e estava concentrada no longo prazo.
De acordo com o último dado do Banco Central, referente à posição da dívida das empresas em março deste ano, de abril a dezembro de 2018 estava previsto o vencimento de US$ 23,4 bilhões, caindo para US$ 18,2 bilhões em 2019. O grosso (US$ 38,7 bilhões) tinha prazo de vencimento superior a 2021.
Não à toa, a taxa de rolagem de empréstimos externos das empresas em julho ficou em 117%. Isso significa que os recursos captados superaram as amortizações de dívida vencidas no mês.
Com liquidez em caixa, muitas empresas aproveitaram a queda do preço dos bônus no exterior para recomprar as dívidas que venciam no curto e médio prazos. Petrobras, Vale, Banco do Brasil, CSN, Minerva e General Shopping anunciaram ofertas de recompra de bônus neste ano, que somaram US$ 16,7 bilhões.
Algumas companhias fizeram emissões de bônus para recomprar parte dos papéis em mercado. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) aproveitou para alongar a dívida e emitiu US$ 350 milhões em títulos para 2023 e recomprou os papéis com vencimento em 2019 e 2020.
A Marfrig captou US$ 1 bilhão para 2025 e usou os recursos para recomprar títulos que venciam em 2018 e 2019. Há casos também de empresas que aproveitaram para quitar antecipadamente dívidas bancárias em dólar que tinham um custo maior. A Petrobras realizou o pré-pagamento de R$ 31,8 bilhões em empréstimos no mercado bancário nacional e internacional no primeiro semestre.
Com as amortizações, o endividamento bruto da companhia em reais recuou 2%. Para Diego Ocampo, especialista para América latina da S&P Global, as empresas que ainda não fizeram a rolagem dos bônus que vencem no ano que vem não devem ter grande dificuldade para honrar a dívida. A S&P Global não prevê nenhum default de bônus brasileiros neste ano.
A Moody’s também prevê um risco menor de refinanciamento da dívida das empresas brasileiras neste ano. Em 2017, 26% das 39 empresas analisadas pela agência de classificação de risco apresentavam alto risco de liquidez. Mais da metade destes emissores com risco elevado de financiamento, no entanto, acessaram os mercados de capitais para refinanciar suas dívidas no começo deste ano, reduzindo o percentual de empresas com alto risco de liquidez para 13%.
“As empresas conseguiram se refinanciar e o volume que tem para vencer em bônus até 2019 é de emissores conhecidos como Petrobras e Marfrig, que não têm ratings baixos”, diz Carolina Chimenti, vice-presidente assistente da Moody’s. Grande parte dos vencimentos de bônus está concentrada no setor financeiro, que capta recursos no mercado para financiar novos empréstimos. Caixa, BNDES, Banco Daycoval e Banco do Nordeste têm operações a vencer até o fim do ano que vem. A Caixa possui duas emissões de bônus, uma de US$ 1,25 bilhão que vence no mês que vem e outra de US$ 1,3 bilhão para maio de 2019.
“A princípio, a Caixa não deve rolar os bônus, promovendo o pagamento integral, tendo como motivação a possibilidade de captação de recursos a preços mais atrativos no mercado brasileiro”, informou o banco. O Banco Daycoval também informou que deve quitar a emissão de US$ 500 milhões que vence em 2019. “Dado o alto nível de liquidez do banco, a dívida em dólares será paga”, informou o banco, por meio de nota. O Daycoval ainda afirmou que, se optar por rolar a dívida, deve fazer isso no mercado local, onde o custo de financiamento está mais barato. Já o BNDES informou que a decisão de refinanciamento do bônus depende da atratividade das condições do mercado externo e da demanda por recursos em moeda estrangeira.
A Minerva é destaque entre as empresas com vencimento no exterior no curto prazo, com US$ 850 milhões em bônus para 2019. A companhia de alimentos chegou a recomprar cerca de US$ 53 milhões em papéis com vencimentos para 2026 e 2028, e no início do ano planejava fazer uma emissão para recomprar bônus perpétuos. Mas, devido à piora das condições de mercado, acabou cancelando a operação.
“O mercado externo não fechou para novas emissões, é só uma questão de preço”, ressalta Philip Searson, responsável por renda fixa internacional no Bradesco BBI.
Segundo relatório do Bradesco, o percentual da dívida em moeda estrangeira das 60 maiores companhias brasileiras de capital aberto no primeiro trimestre deste ano era de 29%, mesmo percentual estimado para segundo trimestre e que representa um ligeiro aumento em relação aos 28% do mesmo período do ano passado. Apesar de a dívida em reais ter aumentado com a desvalorização cambial, Pereira, do Bradesco, destaca que grande parte das companhias com dívida em dólar, como é o caso da Minerva, possuem “hedge” natural, pois são exportadoras que geram receitas em moeda estrangeira.
No grupo das empresas que não têm receita em dólar, segundo os analistas, a maioria buscou fazer hedge para a dívida externa. Há exceções. De acordo com analistas, entre as mais expostas estão Sabesp e Cemig. A Sabesp tinha em junho 48,6% da dívida total de R$ 13,2 bilhões em moeda estrangeira, sendo a maior parte em dólar e com organismos multilaterais.
Segundo o superintendente de captação de recursos e relações com investidores da Sabesp, Mário de Arruda Sampaio, como o custo desse passivo externo, de 3,3% ao ano, está abaixo do custo médio da dívida local, de 8,5%, e o vencimento é de longo prazo, a empresa optou por não fazer hedge cambial. “Fazer o hedge reduziria o lucro em torno de R$ 325 milhões”, diz, referindo-se à economia com a diferença de juros. Pereira, do Bradesco, destaca que, apesar de não contar com o hedge cambial, a alavancagem financeira da empresa é baixa. Segundo Sampaio, a dívida está em torno de 2,5 vezes o Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), abaixo do teto previsto para a companhia, de 3,5 vezes.
“Para descumprir esse limite, o dólar teria ir para R$ 7,2”, diz. Outra forma de a companhia mitigar o risco cambial, segundo Sampaio, é manter o caixa elevado. Em junho, ele era de R$ 2,8 bilhões. “Temos caixa suficiente para pagar as obrigações financeiras neste ano”, diz.
Ele afirma que a companhia ainda pode recomprar ou rolar antecipadamente os US$ 350 milhões em bônus que vencem em 2020.
A alta do dólar, contudo, tem impacto contábil para o balanço da empresa. “Isso eleva a despesa financeira e diminui o lucro, mas esse efeito tende a se diluir no longo prazo”, pondera Sampaio.
Já no caso da Cemig, a empresa fez hedge cambial, mas ele não elimina totalmente o risco dea dívida de US$ 1,5 bilhão em eurobonds. Em relatório divulgado na semana passada, os analistas do Itaú BBA destacaram que a empresa fez um hedge com vencimento em 2024 para proteger a dívida para uma cotação de dólar entre R$ 3,25 e R$ 5,00. No entanto, o dólar a termo para esse prazo já atingiu a cotação de R$ 6.
Se o dólar permanecer nesse nível, isso teria, segundo os analistas, um efeito negativo contábil de R$ 750 milhões no valor presente líquido da Cemig para 2018.
A Moody’s apontou em relatório, contudo, que o pagamento de R$ 1,1 bilhão do governo federal para a empresa ajuda a reduzir o risco de liquidez e elevou o rating da companhia para “B2”. No setor aéreo, em que a variação do câmbio costuma ter impacto no custo das empresas, Ocampo, da S&P, afirma que a Gol está mais exposta que outras empresas. “A Latam tem um mix de receita em moeda estrangeira com os voos internacionais maior, e consegue amenizar mais esse impacto”, diz Ocampo.
A Gol tinha em junho uma dívida de R$ 8,032 bilhoes, sendo cerca de 70% em dólar. A empresa teve uma perda contábil de R$ 1 bilhão no segundo trimestre com variações cambiais e monetárias. De forma geral, o analista da S&P não vê o vencimento das dívidas em dólar no curto prazo como preocupante quando comparado com 2015 e 2016.
O cenário econômico hoje é melhor do naquele período, em que a recessão econômica, o avanço da operação Lava-Jato e a queda do preço de commodities atingiram mais fortemente alguns setores como de construção e de açúcar e álcool. “O horizonte de necessidade de refinanciamento das empresas brasileiras é bastante confortável”, ressalta Ocampo.